Um ano depois, bolinhas de Natal ainda chegam às praias do litoral paulista

Publicado em 17 de setembro de 2018

Entrevista do presidente do Instituto Argonauta, o oceanógrafo Hugo Gallo, ao jornalista Jorge de Souza, publicada na blog Histórias do Mar
Mais de um ano depois de o navio Log In Pantanal ter lançado no mar da baía de Santos 46 containers, durante uma violenta ressaca, parte das mercadorias que ele transportava ainda estão surgindo nas praias do Litoral Norte de São Paulo, a mais de 100 quilômetros do local do acidente. E num ritmo que não para.
Praticamente todos os dias, funcionários do Instituto Argonauta, órgão de conservação costeira criado 20 anos atrás pelo Aquário de Ubatuba, recolhem coloridas bolinhas de árvore de Natal que vão dar nas praias monitoradas pelo órgão, entre São Sebastião e Ubatuba. E isso 13 meses após o episódio.
As bolinhas de Natal, que seguem chegando às praias do Litoral Norte paulista ao ritmo de uma ou duas por dia (ontem apareceu mais uma, na Ponta da Cruz, na área urbana de São Sebastião), recheavam um dos 28 containeres que afundaram na madrugada de 11 de agosto do ano passado e que até hoje não foram encontrados, no fundo do mar. “O container das bolinhas nunca foi achado, mas o que ele continha aparece todos os dias nas praias da nossa região”, dizo diretor do Instituto Argonauta, o oceanógrafo Hugo Gallo. “Isso prova que ainda há lixo vagando no mar desde aquela época”, completa.
O acidente com a carga do Log In Pantanal gerou multa de quase R$ 50 milhões a armadora do navio, um processo de negligência contra alguns tripulantes e uma gigantesca operação de resgate dos containeres perdidos no mar, que se estendeu até março deste ano. Mesmo assim, apenas 18 containeres foram localizados e resgatados. Os demais, incluindo o que estava cheio de bolinhas de Natal, foram dados como “perdidos” e só voltarão a ser procurados caso surjam evidências de onde eles possam estar, no fundo do mar.

Mas, agora, as próprias bolinhas que seguem boiando no mar podem ajudar na localização do container do qual elas saíram – e, por conseguinte, indicar com mais precisão a região onde poderiam estar os demais containeres, que, apósa queda, se dispersaram na região. “Através das correntes marítimas predominantes, estamos traçando a rota que as bolinhas fizeram até chegar às praias do Litoral Norte de São Paulo, só que ao contrário, num processo chamado de de backtracking”, ou rastreamento inverso”, explica Gallo.
“Ainda dependemos de algumas informações que virão da região sul do litoral paulista, mas se o rastreamento inverso der certo, as próprias bolinhas poderão ajudar a encontrar, ao menos, o container de onde elas sairam”, torce o o pesquisador, que há mais de duas décadas trabalha para combater o lixo marinho, através de ações permanentes do instituto que dirige.
“O que chama a nossa atenção é que algumas bolinhas estão chegando às praias em bom estado, sem limo nem resíduos marinhos incrustados, sinal de que não ficaram tanto tempo assim boiando no mar, e isso pode significar que elas ainda estão vazando de dentro do container, aos poucos”, explica Gallo. “Embora isso seja um problema, pode ajudar a encontrar o container desaparecido, se traçarmos a rota inversa que as bolinhas fizeram até dar nas praias. Mas não é fácil, porque a área é enorme e as bolinhas, minúsculas. Não dá para simplesmente seguir o rastro das bolinhas no mar, como quem deixa pedrinhas na trilha para indicar o caminho”, brinca.
No ano passado, para chamar a atenção das pessoas para a questão do lixo marinho e estimulados pelas próprias bolinhas que não paravam de chegar às praias da região, o Instituto Argonauta montou uma curiosa árvore de Natal, na Praça da Baleia, em Ubatuba, decorada apenas com materiais que recolheu no mar, muitos deles oriundos do mesmo navio acidentado, como mochilas, escovas de dente e tampas de vaso sanitário, “Este ano, vamos repetir a dose”, diz  Gallo. “Até porque as bolinhas continuam chegando”.
Para alguns frequentadores das praias da região, procurar pelas bolinhas coloridas na beira-mar já virou até passatempo e objeto cult de colecionador. Mas Gallo acrescenta que todas as bolinhas encontradas precisam ser informadas ao Instituto, porque podem ajudar a montar o quebra-cabeças sobre de onde elas estão vindo. “É como procurar uma agulha num palheiro, mas se diminuirmos a área do palheiro fica um pouco menos difícil”, diz o pesquisador.
As singelas bolinhas de Natal flutuantes do litoral paulista lembram o famoso caso dos 28 000 patinhos de borracha que caíram de um container no oceano Pacífico 26 anos atrás, e que, até hoje, supõem-se que parte deles vagueiem pelos mares (uma incrível história que pode ser lida aqui).
No entanto, sob o ponto de vista ambiental, tanto bolinhas quanto patinhos não deixam de ser lixo no mar.  “Menos mal que as bolinhas não são poluentes nem colocam tanto em risco a vida marinha quanto outros tipos de lixo”, consola-se Gallo. “Já pensou se o container estivesse cheio de óleo?”, questiona.No Brasil, tal qual no resto do mundo, os casos de quedas acidentais de containeres no mar são bem mais frequentes do que se possa imaginar. Estima-se que, por ano, mais de 1 000 deles caiam nos mares do planeta. Mas aqui nem sempre os episódios desse tipo são tratados com o mesmo rigor do incidente em Santos.
Um dos casos mais emblemáticos de impunidade contra a poluição causada por carga de navio no mar brasileiro aconteceu em 1978 e ficou conhecido como o Caso Hermenegildo. Na ocasião, um navio abandonado, mas carregado com produtos químicos jamais identificados, afundou e contaminou as praias do extremo sul do Rio Grande do Sul, num episódio que envolveu até o então alto escalão do governo brasileiro.
Leia a íntegra da entrevista no link: